Bárbara acordou ainda bêbada. Passou a mão pela cama buscando por algum corpo masculino. Se houve, não estava mais lá.
A luz entrava pelas frestas da janela. Era manhã ou tarde?
Puxou a alça da camisola, estava com um seio de fora.
Será que foi lambido? – pensou, passando a mão entre as pernas.
O vizinho de cima, Tiago supunha ela, falava com alguém ao telefone bem em cima de sua janela. Ela ouvia a conversa:
- Então, acordei com minha mãe me chamando. Tinha uma cara pelado em cima da minha mesa. Eu não sabia o que fazer. Disse que era um amigo para a velha não surtar e botei-a pra dormir antes que ela tivesse desejos pelo cara.
- Pelado na mesa do vizinho? – Bárbara saltou da cama.
- Gente, era meu? - sua cabeça deu voltas pela Lagoa, enquanto ela se perguntava em voz alta:
- Ai, será? Eu vim embora sozinha?
Abriu a porta do quarto, olhou para o corredor. Com certeza era dia, mas era manhã ou tarde. Afinal, era domingo ou segunda?
Pensou nos gatos. Não esses que dormiam com ela. Bem, quaisquer que fossem, dormiam com ela. Mas ela pensava nos felinos, Tiffany e Negrão. Os gatos que ela amava porque eram os beijos mais sinceros que ganhava ultimamente.
Não fazia muito tempo que a Tiffy, como se chamava a gata angorá rajada, havia descoberto a dor e a delícia de ser felina.
- Ah, uma ratoooooooo. – foi a única coisa que Bárbara pode gritar. A gata pela primeira vez havia pegado um rato. Ela não estava preparada para isso. Seu nojo feminino era maior do que o instinto do animal.
Olhando para o corredor, viu os gatos virem em direção à porta entreaberta.
- Ai queridos! – foi só o que pode exclamar quando viu os dois vindo para o quarto.
- Mas e o pelado???
Pensou em vestir uma calça. Só de camisola e calcinha fio-dental era pouca roupa para ir até a sala.
Mariana estava no ônibus. Cansada, mal dormira durante a noite. Assentou a cabeça no vidro da janela enquanto o veículo fazia as curvas do morro.
Trabalhar antes das dez ninguém merecia, pensava enquanto via as dunas da praia.
Sua noite não tinha sido das melhores. Morava com Bárbara há algumas semanas, e como as duas eram muito parecidas: lindas, morenas e amigas das loiras geladas, sempre saiam juntas. Mas nunca sabiam com quem voltavam. Quando voltavam juntas.
Mariana fechou os olhos tentando não chorar. A beleza da paisagem era de doer. E a noite havia sido estranha.
Bárbara foi até a sala. A luz invadia o ambiente. Duas janelas sem cortinas. Um rack, uma TV, o som, uma estante e um homem de bermuda azul, com uma tatuagem de Jesus no braço esquerdo, deitado no sofá.
Parada em frente à geladeira, ela olhava com um ar inquisidor para o homem em sua sala.
- É o Marreco? – pensava ela, imaginando ser seu colega de trabalho, com quem ela e Mariana tinham saído na noite anterior.
Aproximou-se, olhou com calma. Sim, era o Marreco. Mas na sala? E de bermuda?
Pensou em ligar para Mariana, pois era no quarto dela que ele tinha ido parar.
- Meu Deus!!! – exclamou em voz alta ao perceber que era ele o homem nu na mesa no vizinho de cima.
Teve quase certeza de que deveria ligar para a amiga.
Mariana já estava no trabalho. Sentia dores na nuca, tinha aquele gosto de guarda-chuva na boca, coisa que todo mundo que bebe sabe como é, e ainda se perguntava: -Eu gozei???
Estava cansada de seus relacionamentos: Amante. Amiga. Gays.
Tinha 30 anos, mas aparentava menos. Bárbara tinha 25 e parecia um pouco mais. Eram parecidas mesmo sendo diferentes. Pareciam ter a mesma idade e os mesmos desejos: -Um grande amor!
Mariana olhou pela bancada cheia de produtos: - Vou pesar essas merdas para ver se têm o peso da embalagem!
Mas antes que pudesse chegar a qualquer produto, lembrou-se do Marreco:
-Mas onde foi parar aquele puto?
Quando acordou, seu quarto estava do avesso. Portas e gavetas do roupeiro abertas. Porta do quarto aberta e nada do Marreco pelo apartamento. Só não se preocupou com um furto porque a bolsa estava com tudo dentro. Como estava atrasada para o ônibus, achou melhor ir. – Ele deve ter ido embora.
- Mas onde estaria a tatuagem de Jesus no braço esquerdo?
Bárbara voltou para o quarto. Trancou Tiffy e Negão com ela, e jogou-se na cama com os dois.
Tiago estava novamente no telefone.
- De novo? – pensou ela outra vez com um seio de fora.
- Então, tive que desligar porque minha velha estava me ligando, mas aí para concluir, fiquei parado olhando para o cara, pensei se dava um soco, se chamava a polícia. Aí acabei acordando o louco. Dei minha bermuda azul e mandei-o ir pra casa. Vi que ele tinha posto o saco de pães que comprei no chão antes de deitar-se. Agora fico me perguntando o que teria acontecido se minha mãe estivesse sozinha?
Bárbara, começou a gargalhar. Sim, era o Marreco na casa do vizinho de cima. Pelado, em cima da mesa. Com o pão no chão.
Mariana pesou tudo o que precisava. Deixou de lado a dúvida pela manhã. Mas já era hora do almoço. Tentou fazer o trajeto do bar para casa mentalmente: - Pub, mercado, posto, virei à direita, segui até a praça, ri quando a Bárbara tropeçou no meio fio, direita, rua de casa, pousada laranja, academia, portão, Marreco?
- Marreco???
- Marreco? Ai, que merda, eu levei o Marreco para casa comigo?
- Ah, sim. Marreco do lado direito, portão, porta, Bárbara indo para o quarto dela, eu ligando o som. Marreco tirando a roupa, minha cama. Eu pensando no Camilo. O Marreco brigando com o próprio pinto. O Camilo de novo. Eu rindo do Marreco. Ele me beijando o pescoço, o Camilo; ele descendo por entre minhas pernas, o Camilo; ele xingando o pinto de novo, eu rindo. Ele saindo do quarto. Despertador.
- É, não gozei!
Bárbara dormiu com os gatos. Acordou horas depois:- Sede. Preciso de litros de água.
Abriu a porta e só então se lembrou que um seio ainda estava à mostra.
Arrumou a camisola, e foi tateando pelo corredor.
Olhou para o sofá. A bermuda azul estava no sofá. O Marreco não. Só então se lembrou de que não tinha dormido sozinha.
- Sim, aquele seio foi lambido. – disse rindo em alto e bom tom.
Pensou em deixar um bilhete para Mariana quando saiu para trabalhar. Mas achou melhor fingir que nada havia acontecido; e a bermuda azul segue guardada no seu roupeiro.