Explicações!

Andei um bom tempo egoista. Escrevi só pra mim e só eu saboreei meus textos. E quando menos esparava e vindo de onde eu menos esperava, me cobraram explicações: "Tu abandonou o blog?"
Não, mas achei que ninguém mais lia.
Agora que sei que alguém lê, volto a publicar minhas confusões mentais.
Aproveitem (ou não).
Sal.

suicídio

Hoje acordei com aquela sensação de vazio.
É como se nada me pertencesse, nada existisse em mim.
Sinto falta de tudo. Sinto sua falta.
Novamente as lágrimas voltam.
Meu rosto desfigurado não tem traços, não sei onde ficam meus olhos.
Dias de vazio. Dias de saudade de coisas que não sei explicar.
Em dias como esse tudo o que eu queria era ganhar abraços sem motivos.
Abraços que preencham minha essência. Abraços de braços quentes.
Abraços dos teus braços. Eu preciso do calor do sol no meu rosto, como uma planta.
Vou sair. Vou me jogar de uma ponte. E na queda sem fim, verei minha vida. Tenho certeza que me sentirei bem. Mas me arrependerei quando cair no mar.
A vida em cacos. Pedaços de mim espalhados pela água. Fotografias que bóiam antes de sofrerem a força da gravidade e afundarem.
Fundo. Profundo. Águas turvas. Falta de luz. Esquecimento.
E o sol da minha vida não será mais visto. E minha vida revista terá seu final.
Caminho mentalmente pela ponte. Analiso as últimas imagens de caos. Faço minha última oração. Peço perdão. Tiro meus sapatos. Deixo-os ao lado do meu corpo, despeço-me dos cadarços que tantas voltas já deram sobre meus pés. Sento-me sobre as pernas. Observo o mar. Espero pelo momento certo.
Uma gaivota revoa sobre mim. Será minha única testemunha. Seus olhos frios parecem me dizer: “Seja rápido, não tenho o dia todo”.
Logo são duas, três, milhares. Elas me observam em um vôo incessante. Movimentos circulares.
A vida em círculos. Pedaços de mim espalhados pelo vento. Fotografias que voam por todos os lados no fundo do furacão.
Fundo. Profundo. Ventos turvos. Falta de luz. Esquecimento. E o sol da minha vida não será mais visto. E minha vida revista terá seu final.
Jogo-me. Um corpo cai sem vida. E quando o corpo toca a água, escuto o barulho dos estilhaços.
Levanto-me da ponte. Novo ser.
Visto os calçados velhos e novamente amarro os cadarços. Um nó forte.
Faço um pacto com a nova vida: “Viver-te-ei intensamente”.
Respiro fundo. As gaivotas sobrevoam corpo que bóia.
Uma delas volta. Pousa a meu lado e me analisa.
Os vivos me seguem.
Não tive coragem. Mas e aquele corpo?
Leio o jornal por dias. Procuro pela manchete de um corpo perdido.
Mas tudo que vejo é caos.
Caos que sempre amei.
Não faço mais isso. Prometo.
Da próxima vez me jogo na frente de um ônibus. Que haja testemunhas humanas.E assim sigo matando o que não gosto em mim.

Pseudo erótica mente.

Abri os olhos. O dia já havia terminado. Era noite, uma profunda e triste noite. O aroma das damas entrava pela janela. Inundava meu quarto. Fechei os olhos. O escuro continuava, mas existiam aquelas explosões de luz, comuns quando apertamos os olhos com força. De olhos fechados, sentei-me na cama. Procurei pelo teu corpo. Nada. Na cama não há mais ninguém. Apenas um pedaço de mim. Deitei-me novamente. Abri os olhos. Com força procurei por claridade. Talvez esteja no banheiro. Não. Não há luz acesa em outro lugar da casa. Virei o rosto. Enfiei a cara no travesseiro. Ainda sentia teu perfume. Será que se eu lambesse o lençol? Será que sentiria teu gosto de novo? Não. Nada. Lambi. Mas nada do teu gosto. Só o perfume no travesseiro. Puxei o cobertor. Era como se te puxasse pra cima de mim. O peso no meu peito. O perfume na cabeça. Fechei os olhos. Você voltou. Finalmente chegou. Agora vamos esperar que o dia volte. Mantenha-me sem dormir. Enquanto teu perfume estiver aqui, eu posso te ter comigo. Sinto tua mão no pescoço, dando voltas em meus cabelos. Sinto tua boca no meu ouvido. Abri os olhos. Não devia ter feito isso. Percebi que teu perfume era tudo o que restava. Foi tudo ilusão. Agora foi. Mas teu perfume ainda está no meu travesseiro.

Ploc! A bolha se rompe.

Voava livre, solta, sem rumo. Transparente. Em seu interior a mesma essência do ambiente externo. Nada, era composta de nada, mas não era vazia, tinha forma. Contudo, sua graça dependia da luz. Iluminada era linda, repleta de contrastes e cheia de brilho. No escuro não seria notada. Continuava voando. O próprio ar a conduzia, como se a segurasse por entre as mãos. Caso tivesse mãos. Mas havia um problema: a bolha de sabão não podia tocar ninguém. Era triste, solitária, quase infeliz. Ela não pediu para ser linda, queria mesmo ser macia para que todos a tocassem. Queira sentir seu corpo sendo apertado, quase esmagado por um abraço. Queria ser esbofeteada, socada. Queria ser lambida, beijada. E de tanto querer tocar alguém, não resistiu ao desejo e veio em direção ao meu rosto. Ploc! Ploc! Não sei se foi dor ou prazer, mas foi sua última palavra.

Os livros

Senti um cansaço percorrer os músculos das pernas. Puxei uma cadeira e sentei-me perante os livros. Uma imensa biblioteca se jogou à minha frente. Os livros empoeirados despertavam minha atenção. Alguns muito lidos, outros nem tanto. Alguns com belas capas e muito finos, outros quase sem cobertura e imensamente grossos. Estiquei as pernas. Passando a mão pelo lado de fora da coxa direita, vi um papel embaixo da mesa. Estiquei-me, daquele jeito que ficamos quase prontos a perder o ponto de equilíbrio e cair, peguei o pedaço de papel rasgado pela ponta dos dedos esquerdos. Completamente amassado, pude ler no papel: “Comece pelos livros da prateleira mais alta, canto direito, Livro do dia e Livro da noite, autor desconhecido. Escolha o livro compatível com o horário em que você se encontra”. Reclinei a cabeça, era realmente alta a prateleira. A dor nas pernas diminuía. Peguei a escada e depois de muito esforço, mesmo estando no degrau mais alto, retirei os livros. Era noite e por profunda teimosia resolvi abrir o Livro do dia. Uma capa preta, escrita em letras douradas. Os livros eram finos e muito velhos. As páginas marcadas, amassadas, demonstravam o seu uso excessivo. Abri. LIVRO DO DIA Primeira página: LIVRO ERRADO. Senti um calafrio percorrer a espinha. Mesmo assim continuei folheando. Segunda página: O TEMPO NÃO É UMA INVENÇÃO. VOCÊ VÊ A LUA OU O SOL? Assustei-me. Achei que era uma piada intrigante. Talvez o outro livro fosse igual. Passei os dedos pela folha muito amarelada. Corri para o meio do livro. Nada. Estava em branco. Completamente vazio. Apenas as duas primeiras páginas. Sorri. O outro seria igual. Troquei de livros. LIVRO DA NOITE Primeira página: 23:59H. ESTE LIVRO FOI ESCRITO DE TRAZ PARA FRENTE. E COMEÇA PELO EXATO SEGUNDO EM QUE VOCÊ O ABRIU. Fechei o livro. Olhei para o relógio de parede antigo, feito de madeira de lei e badalo de ouro, estilo Art Noveau. Não tive coragem de fitar os ponteiros. Olhei novamente para o livro e, então, o relógio soou. Doze badaladas seguidas. Doze assustadoras badaladas. Abri o livro pela ultima página, ainda assustado com o que acontecera. Fui folheando de traz para frente até achar o primeiro capitulo. Primeiro capítulo: VOCÊ NASCEU DE UMA SEMENTE. Li o capitulo de umas 30 páginas. Chorei. Ele dizia como foi o momento do meu próprio nascimento. E assim as horas se passaram. Não pude desgrudar do livro e quanto mais lia, mais parecia que o livro criava capítulos. Tive a chance de analisar minha vida novamente. Exatamente tudo o que eu fizera estava ali. Tudo. Tombos, tropeços, fracassos. Recuperações, sorrisos e conquistas. Pude recordar de fatos que não me lembrava há muito. E de forma estranha, mas resumida, minha memória ia jogando os acontecimentos em minha face. O relógio badalou sete vezes. O livro perdeu as letras. Ficou completamente branco. A essa altura tudo era normal. Percebi que o sol nascera. Voltei para o começo. Primeira página: LIVRO ERRADO. Percebi que não era uma brincadeira. Segunda página: O TEMPO NÃO É UMA INVENÇÃO. VOCÊ VÊ A LUA OU O SOL? Troquei de livro. LIVRO DO DIA Primeira página: 07:02H. ESTE LIVRO FOI ESCRITO DE TRAZ PARA FRENTE. E COMEÇA PELO EXATO SEGUNDO EM QUE VOCÊ O ABRIU. Como já sabia o procedimento, fui direto para o fim. E folheei até encontrar a parte onde parei. Nessa confusa leitura passei por várias trocas entre os livros. Até por fim chegar ao último capítulo. Olhei para o título. Chorei. Mas não havia volta: VOCÊ DEVERIA SABER QUE ERA O FIM. Percebi que minha vida passara por mim e nunca notei o quanto fiz e o quanto deixei de fazer. Tentei rasgar o livro. Não tive forças. Tentei jogá-lo longe. Meus braços fraquejaram. Mal podiam segurar os livros. Então percebi que a segunda página do livro errado me dizia a verdade:O TEMPO NÃO É UMA INVENÇÃO. VOCÊ VÊ A LUA OU O SOL?

Os erros de ontem.

Procuro andar por caminhos diferentes, entre outros motivos pra nunca repetir os erros de ontem. Recuso-me a repetir os erros que cometemos ontem. E nessa caminhada são tantos caminhos, tantas idas sem voltas, tantos erros. Mas é preciso caminhar. A ausência de movimento é ausência de vida. Minha vida. E girando em torno de mim, translação e rotação são movimentos incertos. São planetas que ficam, são pessoas que eram, são verbos no passado. Contudo, são verbos no futuro. Tudo será, irá, mudará. E assim novos planetas, novas pessoas, novos verbos são conjugados. E meu presente? Meu presente sou eu. Meu movimento constante, minha essência mutante. Meu ciclo, meu picadeiro exclusivo. Um palco onde os holofotes me iluminam. E meu brilho ilumina os transeuntes. Ilumino planetas, satélites, cometas. Ilumino almas. Almas em pecado, almas em perigo. Almas que se perderiam na inexistência de uma fé irreal. Minha trajetória sem rumo traz à tona a incerteza da volta. Esclarece assim a dúvida. O tempo não volta, não há tempo de errar de novo. Mas há tempo de corrigir os erros, mesmo que caminhando por outros lugares, navegando em outros mares. E assim, do oceano ao espaço sideral, corro. Alterno o correr com o pular, sentar, sorrir, observar. Sim, sou apenas um observador. Mas minha presença é notada. Não me sinto terceira pessoa do singular, tampouco verbo impessoal. Sou o centro ao lado. Sou o olho do furacão. A calmaria e a agitação. Sou a paz que habita meu coração. E na incerteza de voltar, me recuso a repetir os mesmos erros de ontem.

O jogo de dominó.

Sem conseguir encaixar as peças, ele insistia em jogar dominó sozinho. Era uma terapia de paciência: a busca pelo número de encaixe perfeito. Sentado na sala, debruçado sobre a mesa, perguntava-se se a vida era como o seu jogo: -Peças que não se encaixam, enquanto procuro a ideal, fico trocando as peças. Começou a sentir os objetos inanimados ganharem vida. Inacreditável!- pensava enquanto levanta-se um pouco, dando espaço para que as peças se movessem. Umas das peças, que há muito estava sobre a mesa, ajoelhou-se e caiu em prantos. - Meu Deus, o que aconteceu?-disse ele. - Estou cansado de esperar pelo meu par, você não faz idéia de como isso é desgastante. – disse a peça 3 e 4. Intrigado, mesmo com as outras peças se completando, ele preferiu dedicar atenção a esse sofredor. - Fique calmo, uma hora eu viro alguém que te completa.- quando se deu conta de que as peças ainda em desuso continuavam sem vida. - Mas eu tenho medo! Tenho medo de que o jogo acabe e eu fique solitário. Você não sente isso?- indagou a peça ainda em lágrimas. - Te-tenho, – surpreendeu-se com sua resposta. Nunca havia pensado nisso com clareza. E continuou: - mas não me deixo abater. Sei que muitas peças podem se encaixar, uma vai ter que chegar. - E se não chegar? E se seu jogo for terminado antes que sua peça chegue? - Não sei, para isso tenho amigos. Eles me dão o apoio que preciso. - Amigos? Mas e se eles acharem as peças deles? Você vai sobrar em um canto, como eu. Ele levantou-se. - Então não eram meus amigos! - Você está sendo egoísta! – retrucou a peça parando de chorar e em um tom de raiva, batendo os seus recém crescidos pés na mesa. - Ai, uma peça de dominó com senso de decência! – disse de forma irônica. A pecinha minúscula tinha razão, sua ironia não conseguiu esconder seu erro de pensamento. - Sim, eu não quero que as outras peças fiquem solitárias pra me fazer companhia na solidão, elas também têm o direito de serem felizes. Também devem achar seus pares. - Você tem razão! E se eu não achar meu par. Bom, ainda tenho você. - Mas eu não sou humano, e você não é meu encaixe no dominó!!! Ele percebeu seu erro. Olhou para baixo e permitiu-se chorar. Secou as lágrimas na manga da camiseta. E olhou para o dominó na mesa - Mas como??? Elas estavam vivas! – disse ao perceber que os dominós estavam como sempre estiveram. Imóveis, sem vida. Colocou todas as peças com um possível par e deixou-as sobre a mesa. Levantou-se, olhou em volta e jogou a cabeça contra uma parede com toda força que podia. Seu jogo acabou e ele não teve tempo de encontrar sua peça.

Nós nunca crescemos.

Nós nunca crescemos. Como crianças, procuramos por um sopro de vida, um facho de luz. Procuramos por uma peça que se encaixe no quebra-cabeça. A casinha que falta para a Barbie, a espada do He-man. Eterna procura. Nós nunca... Não deixamos de lado o egoísmo podado. Não doamos a maldade contida. Nem tampouco esquecemos o ato impulsivo das lutas corporais. Eterna procura. Nós sempre... Deixamos a fome falar mais alto. Berramos quando contrariados. Corremos para braços protetores. Eterna procura. E quando o sol se põe, temos sono. Lemos, escrevemos, caminhamos. E quando o sol nasce, despertamos. Caminhamos, escrevemos, lemos. Um dia, dormimos. E já não somos mais nada. Fim da procura.

Michelle, ma belle. By Beatles, by me.

Bocas em coração e seu sorriso malicioso criam o perfeito paradoxo. A maquiagem e o olhar inocente aumentam o paradoxo. Seu sorriso desfaz paradoxos. Como o vento move montanhas, Como a água lava a alma, Como a vassoura varre o chão, Seu sorriso desfaz as incongruentes dúvidas. E ao balançar os cachos negros, com andar certeiro em direção ao infinito, deixa um rastro de saudade. Caminhar é assim, é seguir em frente guardando as memórias no coração. Mas o que são memórias? Ela chacoalha a cabeça, como quem diz não saber. Mas instintivamente retruca: - Memórias são lembranças com gosto de saudade, - e termina a frase com voracidade - ...porra!!! Bem típico dela. E ao perceber que eu replicaria, encerra o diálogo: - E não me enche o saco com tuas emotividades frívolas, caralho!!! Sinto falta da presença. Sinto falta dos cachos perfeitamente organizados. Escova progressiva agora? Sinto falta até do caderno capa-dura com emblema do santos. Ou seria São Paulo? Memórias. Tenho tantas. Aula de filosofia ela me diz: - Vou pro fundo da sala dormir, esse professor é um porre. Paralamas do sucesso: - Oi, você estuda comigo? Boteco da esquina, olhos marejados: - Você é um grande amigo, vou sentir sua falta. Caminhar é assim, é seguir em frente guardando as memórias no coração. Mas o que é coração? Não sei. Mas por uma idiota analogia defino coração como aquela parte do corpo que dói sempre que ouço Michelle dos Beatles. É. Seu sorriso desfaz paradoxos.

Meu pequeno dicionário de francês.

Mãos em braços. Braços em aço. Ar tenso, sorriso retraído. E estava eu frente a meu pequeno dicionário de francês. Procuro por palavras. Encontro pensamentos fortes. Idéias marcantes. Mas um diálogo possível. Uma certa flexibilidade que me acalma. O jogo na mochila. Caminhará comigo por onde quer que eu ande. Meu pequeno dicionário de francês. Ça va très bien. Ganhei uma musica, em francês. Preciso de tradução. Sou eu traduzido em letra e melodia. “Raphaël à l'air d'un ange Mais c'est un diable de l'amour”. Procuro por meu pequeno dicionário de francês. Com ele em mãos, me abstenho da realidade. Ar de anjo? Diabo do amor? Procuro por equilíbrio. Nem tanto ao céu, nem tanto à terra. Pedem-no emprestado. Nego. Não empresto. É meu. Mas percebo que não é meu. Pertence a outras pessoas. Meu pequeno dicionário de francês. Je suis désolé. Tudo bem. Empresto. Mas me devolvam inteiro. Preciso dele para ver novos filmes ou ouvir novas músicas. Meu pequeno dicionário de francês. Se levanto meu olhos, vejo a subida. Se abaixo, vejo a descida. Longo caminho. Sem problemas, a companhia é agradável. Meu pequeno dicionário de francês. “Irréversible”. “Gabriela”. A organização me fascina. Cada termo no seu devido lugar. Paredes encapuzadas. Pôsteres. Culturalmente rico. Serei eu pobre demais? Meu pequeno dicionário de francês. Cativa-me pela simplicidade. Encanta-me o charme da França. Um ar peculiar: pesado pelo tempo, mas de fácil inspiração. Respiro. Perfume. Preciso ir ao brechó. Gravatas Yves Saint Laurent por cinco dinheiros. Será que sei falar? Sem problema. Levo meu pequeno dicionário e perco a vergonha. Mãos em braços de violão. Cordas novas. Quero uma canção que fale de amores possíveis. Devo escrevê-la? Braços em aço. Uma grade. Uma janela. Fotografias sem cor. Arte. Movimento. Dor. Olhar atento. Beleza. Um ser ciumento. Levá-lo-ei a lugares diferentes. Dizer-lhe-ei as pronúncias erradas. Mas enquanto houver páginas que possam ser lidas,Ando lado a lado com meu pequeno dicionário de francês.

MENINA LUA

Dobramos a esquina. Ela me pergunta se curto Janis. Toca Mercedez-Bens. O carro pára. Um grito, depois outro. É a lua. Menina lua. Linda, alta na terra. Lua menina. Linda, baixa no céu. O carro segue. A lua segue. Segue minguando. Gigante amarelo-prata. Ela me pergunta se devemos fotografá-la. Digo que sim. - Muita luz. Troque o CD. - Porei algo dançante. White horse. Subida branca, noite escura. Sorrio. Menina lua. Alta na terra. Lua menina. Baixa no céu. Mais amigos. Acendo um cigarro. Brasa. Bolinha. Brasa. Bolinha. Brasa. Bolinha. Uma cobra de laranja espreita a noite. -Vá devagar! Risadas a dez por hora. Troco o CD. Beastie boys. Faço confissões adolescentes. Ela sorri. Silêncio. Um pianinho toca. Risadas a dez por hora. -Sentemo-nos! -Sim. Silêncio. O toc-toc dos sapatos surge. Olhos mornos atentam o andar. Ela sorri: -O diabo é careta. Eu sorrio. Toc-toc... Toc-toc... Toc-toc... E pé após pé, o som vai seguindo o sapato gasto. A lua amarelo-prata segue minguando. Silêncio. O cachorro fala. -Eu ouvi. -Ele realmente falou; e com voz de mulher. Era a voz da lua. Menina lua. Alta na terra. Lua menina. Alta no céu. Silêncio. -Você está muito quieto!?!? Silêncio. -Sou uma samambaia.- Risos. E a lua segue minguando. Bons dias estranhos. -Sono. Deixe-me em casa. -Beijo. Até amanhã. Menina lua. Lua menina. Diminui e cresce, como meu sorriso.. E minha saudade.

grandes olhos

Ah... olhos... o que vocês refletem? Meu reflexo em seus olhos é mais bonito do que a realidade. Todo reflexo em seus olhos faz da realidade um mundo paralelo. Sem dor, sem tristeza, sem dias cinzas. Teus olhos refletem meus sonhos. Refletem imagens de um futuro possível. Teus olhos... grandes olhos grandes...

filtro de ponta-cabeça

Entorpecem-me os dedos. Eles se embriagam na dor que escrever me causa. Meu coração dilacerado chora, berra, uiva. As emoções passam por mim. Meu filtro já não funciona mais. Tudo que recebo se acumula na alma. Não existem mais lágrimas. A dor é seca, intrínseca, encapsulada. Se ainda houvesse tempo para que as lágrimas caíssem, meu lençol seria um lenço. Mas não há mais tempo. Ele se foi. Não é mais tempo de chorar, é tempo de sorrir. E sorrindo, dir-te-ei que meus dedos se embriagam ao escrever. Meu filtro volta a funcionar. Recebo, filtro e deixo ir o que não é meu. Alguns dizem que os desmascaro. É como se eu tivesse o poder de despir suas almas. Sorrio. Será mesmo? Talvez não seja sua alma despida. Talvez seja a minha. E assim, sou eu refletindo você. Você se vê em mim, porque eu me vejo em ti. Somos fruto da interação de nossas existências. Um filtro que funciona; ora sim, ora não. Sou eu buscando minha essência e encontrando a tua. Um ser de ponta-cabeça, no mundo. Um mundo invertido de um ser.

Esquecimento.

Você me pergunta se eu concordo com o que vejo no mundo. Quer saber porque invertemos os segundos. Insiste em tentar corrigir o imutável. Mas não me pergunta meu nome. E é como se o mundo não me fizesse parte. Você pede para que eu te espere. Quer saber em que lugar estão as soluções. Diz não saber o que fazer com as dores. Nem sabe dos amores. Mas não pergunta se estou feliz. E é como se eu não estivesse te acompanhando. Cansa e chora. Implora por facilidades. Sonha com dias melhores. Eu sigo a teu lado. Como se o mundo não estivesse me acompanhando. Um dia, quando o fim do caminho chegar, você perceberá que me esqueceu em alguma esquina. E mesmo assim eu te segui. Pena, você já mais verá tudo aquilo que eu vi.

era tudo o que faltava

Caem as nuvens, O céu reflete o mar. Sinta-se ser. Saiba estar. Cantam os anjos, Dormem os poetas. Veja o amor, Siga as setas. Quando sentia o mundo, Um violino tocava. O som triste de uma citara, Era o que faltava. E da costela fez-se desgraça, As curvas esguias da mordaça. Bastaram segundos, E fez-se o mundo. É tudo sobre identidade. A sombra fria da maldade, Cruza o caminho do destino, E vem o tombo repentino. Levanta e segue. Ninguém te pega pela mão, Nem por obrigação.

E se eu pudesse te prever????

Se eu pudesse te prever, gostaria de te ver feliz. Gostaria que tivesse: o tamanho de um gigante, pra que ninguém te diminuísse; a beleza de Apolo e Afrodite juntas, pra que nunca se sentisse feia; a força de um Titã, pra nunca se sentir fraco; a delicadeza de uma borboleta, pra nunca se achar rude; a leveza do ar, pra nunca se sentir preso; o coração de Eros, pra não ter medo de amar; a mente de um gênio, pra nunca ser chamada de burra; a coragem de Hércules, pra não ter medo dos desafios; o amor que eu tenho, pra nunca se sentir só. Quisera eu saber teu nome. Quisera te ver acordar. Quisera saber teu sexo. Quisera ouvir tua voz. Falta tempo, muito tempo. Tempo que nunca sabemos se teremos. Talvez, quando chegares, eu já tenha partido. Talvez eu te veja nascer, crescer. Quisera eu não ter medo de tua presença. Quisera eu não ter medo da tua ausência. Quisera eu não ter sido o primeiro a saber de ti. Quisera eu não imaginar outra vida, sem ti. Amor não falta. Nunca faltará. Não soube esperar, tem pressa. Não agüentou imaginar uma vida longe de nós, tem pressa. Coragem, meu bravo. Coragem, minha brava. Coragem não te falta. Mas em uma coisa eu concordo contigo, É muito tempo ter que esperar pra viver conosco. Tempo. Segundos eternos; eternidades em segundos. Venha logo. Braços abertos a tua espera. Mas antes de nascer, faz um favorzinho, beija teu “anjo”. Ele te guiará até aqui, já conhece bem o caminho. Se eu pudesse te prever, te queria já. É muito tempo ter que esperar pra viver conosco.

assustador

"É assustador - disse enquanto caminhava por entre os corpos. Será que algum foi meu? E sem saber a resposta, continuou. Andou por mais alguns anos. E o que era horripilante, no principio, tornou-se cotidiano. Mas sempre se perguntava - tantos corpos, será que algum foi meu?" Então me acordo do pesadelo e é como se ainda dormisse. Volto a dormir. Durmo no meu próprio sonho. Assim o mundo fica mais real.

Desodorante

Heloisa era uma mulher sagaz. Não era linda, era vistosa. Vestia-se bem, malhava, usava cremes para rejuvenescer, bronzeamento artificial. Uma loiraça! Salto alto, batom vermelho, conjunto de lingerie preto. Roupas sensuais, mas discretas. Tinha os dentes bem cuidados, não fumava, falava inglês e francês. Andava se sentindo solitária. Era chefe de departamento de uma grande empresa, por isso tinha muitos homens como subalternos, o que a impedia de ser despudorada. Ela estava acima deles. Se saísse com um, perderia o respeito dos demais. Paulo era sério. Recatado, usava seus ternos impecavelmente passados. Cores sóbrias com gravatas bonitas. Bem vestido. Também malhava, não fumava, dentes brancos que destacavam sua boca sensualmente carnuda. Abdômen em forma. Era dono de uma rede de sucesso. Falava inglês e espanhol. Tinha muitas empregadas. Algumas, semi-deusas. Mas não podia se envolver com nenhuma. Respeito, sabe?!?! Sentia-se solitário. Helô era selvagem na cama. Dominava, mordia, controlava a situação. Paulo era dominado e, na cama, adorava isso. Amava mulheres selvagens. Os dois estavam por volta dos 30 anos. Helô procurava por um homem como Paulo. Paulo procurava por uma mulher como Helô. Certo dia, quis o destino que se encontrassem. Os dois faziam compras no mesmo mercado, mas nunca na mesma hora. Até aquele dia. Ela acabara de sair da academia. Suada, escabelada (depois de aerobox e pump), sem maquiagem, vestia um camisetão com a gola cortada que caia sobre um ombro e deixava a mostra o top preto. Tênis velho que ela achava mais confortável. Mochila em um ombro. Procurava por um Ob e um desodorante. Ele dormira toda a tarde no sofá. Cara marcada, remela nos olhos, bafo de quem se babou de tanto dormir. Usava um short preto e uma camiseta regata que deixava os pêlos das axilas aparecerem. Sem banho, de chinelas brancas, mas encardidas. Unhas dos pés compridas (faltava tempo para aparar), uma carteira na mão e na outra uma cestinha com quatro cervejas, uma lasanha semipronta, chocolate. Procurava por cotonete e desodorante. Sem querer, Paulo bateu com a cestinha em Helô. - Desculpe moça! - Não foi nada! Helô olhou bem no fundo dos olhos azuis de Paulo, que olhava para seus olhos negros. Paulo pegou os cotonetes, Helô o Ob. Cada um seguiu para um lado. Ela pensava: - Bonito o moço, pena ser tão pobretão. Ele pensava: - Gostosinha a moça. Pena que pegou o Ob extragrande. Á vida continuou e os dois se sentem solitários. Nunca mais se viram, nem se lembram um do outro. A vida é assim. Existe o momento certo, a pessoa certa, no mesmo lugar e ninguém percebe. É culpa do desodorante. Sempre ele...

Dedos

Entorpecem-me os dedos. Eles se embriagam na dor que escrever me causa. Meu coração dilacerado chora, berra, uiva. As emoções passam por mim. Meu filtro já não funciona mais. Tudo que recebo se acumula na alma. Não existem mais lágrimas. A dor é seca, intrínseca, encapsulada. Se ainda houvesse tempo para que as lágrimas caíssem, meu lençol seria um lenço. Mas não há mais tempo. Ele se foi. Não é mais tempo de chorar, é tempo de sorrir. E sorrindo, dir-te-ei que meus dedos se embriagam em ti. Ao tocá-lo, eles se aquecem. Esquecem-se da dor. Teu calor pula sobre mim. Invade-me sem permissão. Inebria o que me resta de vida. Revive-me. Queria poder te olhar nos olhos, mas é tão grande. É tão forte. Tua luz me impede até de fitá-lo, mesmo que por poucos segundos. SOL, preciso te agradecer. Por me dar força para reconstruir tudo o que destruí. Queria que soubesse que só me levanto da cama porque me beija incondicionalmente todas as manhãs. Tua luz me guia rumo ao futuro. Um futuro incerto, decerto, mas meu, só meu. E neste futuro, gosto quando me abraça antes de ir embora. Só que quando resta apenas o perfume de tua presença pelo ar, penso em desistir. Porém, me lembro que voltará amanhã. Sinto muito se te afasto. Sinto que te afasto. Preciso da tua ausência para sentir saudade. Mas quando volta com teus amigos, adoro esses dias. Quando chega trazendo a Brisa e o Mormaço, um casal que vive brigando e me faz ainda mais vivo. Gosto quando traz a Chuva e ficam disputando minha atenção. Obrigado por me deixar brilhar quando se vai. Hoje entendo porque a Noite tem sido tão amável comigo: você me recarrega para que ela sinta sua presença em mim. Obrigado mesmo e espero por ti.

Crenças femininas

A meia luz do abajur de canto iluminava parcamente o quarto. Em frente ao espelho, nua, ela repetia: “Fiquei muito tempo acreditando naquilo que me disseram que eu não era”. Tocou os seios, passou a mão pela lateral do corpo e abraçou-se. Sentia saudade desse tipo de abraço. Apertou os olhos e olhou em volta. Mais ninguém estava no quarto. Era apenas ela e seu reflexo. Nua, de corpo e alma. Perguntava-se onde tinha deixado a luxúria. E aquele abraço longo terminou. Vestiu-se. Lingerie de algodão branca. Blusa decotada preta, calça jeans justa. Sandália de salto alto. Apenas um brilho nos lábios. Aquele colar de pedras coloridas. Uma pulseira, sem anéis. Soltou o cabelo, penteou para desembaraçar. Dinheiro, chave de casa, identidade. Abriu uma gaveta, procurou embaixo das roupas, pegou um preservativo e pôs na bolsa. Bateu a porta. Caminhou alguns quarteirões. Tomou um táxi. - Boa noite, a rua dos barzinhos, por favor. - Algum lugar específico, moça? - Não. Chegando lá eu digo onde quero descer. Pensava durante o trajeto: “Ele bem que podia estar por ali.” Abriu a bolsa, procurou por um espelho. Não encontrou. Olhou para o retrovisor. Viu que o taxista olhava seus seios. Sorriu tentando evitar que ele percebesse e olhou pela janela. Ele estava sentado no mesmo barzinho. - Pare o carro. Quanto eu devo? - Dezoito reais. - Tome quinze, o resto fica como desconto pela olhada no decote. O taxista sorriu constrangido: - Tome meu cartão, venho buscá-la quando quiser ir embora. Mal sabia ele que ela não pretendia ir embora sozinha. Desceu. Enroscou o salto na calçada. Meio sem jeito, levantou os olhos, rezando para que ele não tivesse visto. “Merda, ele viu.” Ele levantou-se. Veio em sua direção. Ela continuou andando. Frente a frente, ele sorriu: - Pensei que nunca mais fosse vê-la. - Eu não. Compre um vinho, roube duas taças e vamos para minha casa! Ela não acreditava no que fazia. Ele sorriu. Horas depois ela estava novamente frente ao espelho. Nua. Com uma taça de vinho na mão. Sentiu uma mão em seu seio, a mão desceu pela lateral de seu corpo enquanto ela pensava: “Fiquei muito tempo acreditando naquilo que me disseram que eu não era”. E a saudade desse tipo de abraço se foi.

CONTATOS IMEDIATOS DE TERCEIRO GRAU

Parado, olhava para uma tela. Questionava a veracidade dos fatos. Como acreditar no virtual? A pop art, o expressionismo, arte palpável. Mas a irrealidade dos bites, surrealidade imposta. Restava a confiança no humano. Humanidade confiável, depilação sem dor, felicidade plena? Isso existe? Um texto. Escrito, mas não palpável. Meio, receptor, emissor e mensagem. Teorias complexas, mesmo sem considerarmos o “ruído” como principal elemento. Uma foto. Algo desejável. Teorias incontidas. Freud. Mas a confiança no humano seguia. “Por trás disso tudo há uma pessoa” – pensava enquanto lia as frases. Freud, maldito, resumiu demais, tudo pode ser sexo, mas sexo não é tudo. Essência humana, a chave do futuro. “Cuidado ao abrir a porta” – dizia pra si mesmo – “Não se exponha. Você é fraco, suas fraquezas são muito claras”. Éramos dois, um homem e uma mulher, mas nos via como crianças, sempre vejo as crianças. Correm para seus pais, correm para o conforto, mas são curiosas. Abrem todas as portas; mesmo as proibidas. Mais uma porta aberta. Pronto, agora é tarde. Mais um contato de terceiro grau. Envolto nas sombras, sai caminhando. Olhava para o mar, ele me respondia muitas perguntas. Sua imensidão é prova de quantos caminhos ainda não foram encontrados. Mesmo assim ele existe, mostrando-se gigante, sem medos, sem culpas. Um sorriso. Dois amigos se fizeram. “Ela parece ser legal!...”. Ausência. Rio, mas não me escuto. Mundo virtual, suas falhas me consomem. Diferenças. Começaram os limites. “Eu fumo. E daí?” - dizia ele. “Nada, eu odeio cigarro!” – afirmava ela. Mas mundos tão distantes não se cruzam, a não ser pelo inexorável espaço entre minha tela e a dela. A teoria do tempo foi vencida, a do espaço ainda não. Dois corpos não ocupam o mesmo lugar, mas dispõem do mesmo tempo. Teorias. Frutos que caem, corpos que se aceleram, humanos que se aproximam. A confiança é realmente importante. Eu continuo andando. Vejo os corpos e me pergunto se algum foi meu. Um dia, talvez eu ache meu corpo. Pode ser que o dela esteja próximo. Pode ser. Enquanto isso, desfrutamos do mesmo tempo. Ele é o suficiente para dois amigos.

Assassina

Uma sensação estranha me cortou um pensamento. Indecifrável, diria minha consciência. Inimaginável, comentaria minha razão. Mas a sensação existiu. E o pensamento cortado? Esse sofreu. Sangrou, e morreu. Hoje nem é lembrado. A sensação, volta e meia ressurge, corta outro pensamento e vai embora. Imagino que seja essa sua função: matar pensamentos. Como? Devo classificar a sensação? Impossível. Ela não tem forma nem conteúdo. Não tem gosto nem cheiro. Mas existe. É uma sensação. Não, não se parece com amor, ódio, dor, saudade. Não tem ligação com tristeza, angústia ou prazer. É algo diferente de tudo. Ela mata pensamentos. Isso eu sei. Ela os corta ao meio como um raio corta o céu escuro. E eles sofrem. Sangram e morrem. Mas... Se eu sou fruto dos meus pensamentos, ela me faz sofrer, sangrar e morrer? Então, que sensação é essa que me mata?