Quem é você?
Não tive tempo para
descobrir. Aliás, foi apenas isso que faltou.
Hum, sim! Não foi só
isso. Mas foi o que mais faltou.
Não tive tempo para
descortinar seu sorriso, para analisar seus grandes olhos. Para
reconhecer se atrás desse silêncio havia dúvida, medo, vergonha,
tristeza.
Você cortou meus
pulsos e exigiu minhas pernas.
Você não gosta de
ler, diferente de tantos outros, você não gosta de ler.
Mas eu escrevo!
Você percebe o quão
isso complica tudo?
Sem ler, como ver que
eu sou um prolongamento dos meus dedos?
Sem ler, como ver que
eu tenho mais do que um pênis?
Você cobrou beijos,
afeto e chorou.
Você, sem notar,
cobrou minha presença, mas ofereceu um cachorro de gravata como
companhia.
Justo para mim, que
esperava mais palavras.
Você, sem notar,
cobrou fidelidade. E te dei!
Ainda que eu negue,
ainda que eu finja.
Você teve um corpo
completo: alma, coração, sangue e porra.
Você teve meu tempo,
meu dinheiro, minhas esperanças.
Quem é você?
O que você ofereceu em
troca?
Uma leitura de um dos
livros de contos que te emprestei? Um não para um chefe explorador?
Sua beleza ainda não
cabe em você. E como você é lindo!!!
Mas como todo jovem,
você não nota que sua beleza vai se acabar nos braços errados.
Sejam eles amores,
sejam eles braços exploradores, sejam eles fraternais ou familiares.
E sua essência é o
que? Quem é você???
Eu poderia te renomear
com qualquer letra do alfabeto. Já foram tantos como você.
Confesso que a maioria
por uma noite, mas ainda assim, como você fará, perdiam sua beleza
sem dizer muito. Como uma flor, que mesmo sem se abrir, vai perdendo
seu perfume sem mostrar toda sua forma.
Quem é você???
Quem é você, para
quem dei um aliança e selei um acordo?
Quem é você que me
abriu a porta da sua casa, mas não me abriu a porta de sua vida?
Agora, me responda quem
sou eu?
O que escondi? O que
você não soube?
Eu não disse ou você
não perguntou?
E se me afastei, você
agradeceu aos céus. Eu estava pedindo mais tempo do que devia.
Mas nosso jardim, que é
só teu, vai seguir como minha proposta de tentar.
Ali, naquele canto,
entre árvores e gramas plantadas, nada a esmo, onde o único acaso
era eu, mas poderia ter sido um outro que tivesse condições de
olhar estrelas e ver a beleza de estar com você sob elas, ali
seguirei.
Se você notar, não
disse seu nome, porque isso é uma crônica, um texto, algo que você
nunca vai ler. Mas outras pessoas lerão, entre outras das palavras
que já vomitei e que algum olho curioso já limpou.
Você ainda não
percebeu, aprendemos muito no dia a dia, mas não há magia melhor do
que espaços que sabemos que nunca serão nossos, e eles só vêm com
palavras.
Como saber que Quintana
dizia que a cada novo dia deveríamos fazer um novo trajeto, se nunca
lemos Quintana?
Como saber que eu segui
esse conselho poético e fui parar na sua frente, sem saber que foi
Mário Quintada que me aconselhou?
Por preguiça? Uma
preguiça que não te demove de acordar as 04:30h da manhã?
Uma preguiça que não
te impede de não ter sábados e domingos?
O capital te criou e te
corrompeu, não duvido de que eu te encontre em um semáforo, que
cruzarei sorridente a pé, enquanto você espera abrir no seu carrão.
Mas que decepção se for o contrário. Se for eu que me corrompi, e
tive todas as oportunidades para isso, e você segue trabalhando
sábados e domingos. Quão revoltante pode ser?
Quão injusta você
dirá ser sua vida?
Oh, meu amor, como te
arranco desse vício ignóbil que não te permite entender palavras
desse porte?
Como te explico que teu
chefe não se importa com sua saúde, com sua vontade, com seus pais?
Como eu te explico que
existirão outros como você, que ocuparão seu lugar e farão seu
trabalho?
Como eu te explico que
você está perdendo uma chance de viver comigo um amor torto, desses
que doem ao lembrar?
Bom, não explico.
Inclusive porque me pergunto: quem é você?
Será que viveria esse
amor torto comigo, entenderia as dores que sentiria?
São tantas dúvidas
que me percebo de aliança fora do dedo, na caixa das possibilidades,
todas se olhando e dizendo: - Você também não foi a última???
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