Explicações!

Andei um bom tempo egoista. Escrevi só pra mim e só eu saboreei meus textos. E quando menos esparava e vindo de onde eu menos esperava, me cobraram explicações: "Tu abandonou o blog?"
Não, mas achei que ninguém mais lia.
Agora que sei que alguém lê, volto a publicar minhas confusões mentais.
Aproveitem (ou não).
Sal.

Para todos



Mais um cigarro.
O vinho, sem rolha, bebo direto da garrafa.
A solidão vem sorrateira.
Sem convite, senta-se.
Frente a frente, sorri cínica.

Finjo não vê-la.
Sigo chorando.
O passado passa pela mente.

A solidão abre seus dentes brancos no escuro.
Fecho os olhos.
Ela segue, entre as pálpebras.

Não pretende ir embora.
Começo a contar.
Paro no 33.
Ela me olha pudica.
Em sua expressão, vejo a desaprovação.

Fixo meus olhos nela.
O vinho escorre por um canto da boca.
Ela procura por algo.
Tira do longo vestido uma caixinha.
Estende um braço e me alcança.

Sem saber o que fazer, pego com cuidado.
Abro-a e vejo dentro um coração pulsando.

Intrigado, pergunto de quem é.
Sempre cínica, faz sinal para eu olhar de perto.
Aproximo o olho direito da caixa.
A pouca luz dificulta.

Começo a ver no coração muitos rostos.
Reconheço muitos.
Um a um, sorriem.

Então, a solidão me pega pela mão.
Vagarosa, me leva para a cama.
Deito-me. Ela me cobre.
Senta-se ao pé da cama e finalmente diz:

-Só saio quando alguém chegar!

Suspiro!
Entendo que ela vai ficar por muito tempo.
Não há quem chegará.
Não há quem voltará.
Ninguém, além dela.
Penso no pequeno coração.
Suspeito ser meu.
Pequeno como uma concha.
Imagino que eu esteja me fechando.
Por isso ela tenha me entregue um coração tão pequeno.

Não adormeço.
Pergunto, a ela, a quem pertence.
Ela não mais sorri,
Voa sobre a cama.
Prende-me com suas mãos frias e lambe meu rosto.
Só depois sussurra em meu ouvido:

-O coração é minha metáfora, seu bobo. Não existe amor como você espera. Não existe ninguém que te complete. Se você achar um coração desse tamanho, será em um rato!

Seu hálito gelado me faz chorar ainda mais.
Ela, impiedosa, segue:

-Você nunca foi amado! Eu estive com você todo o tempo. Fui sempre eu que dormi com você!

Berro. Ninguém ouve?
Ela sai de cima de mim.
Volta ao pé da cama.
Fica mexendo no vestido e me olhando.

-Nunca? Pergunto.
Ela faz que não com a cabeça e seus longos cabelos negros.
-Mas...
Ela reforça, com sorriso irônico, movendo a cabeça lentamente.

Aperto a colcha sobre mim.
Aos poucos, as lágrimas cessam.
Desisto de brigar com a solidão.

Afinal, como um deus, lá está ela aos pés de todos que dormem.

Rindo dos que estão em pares.
Debochando dos que estão sós.
Sempre mexendo em seu longo vestido de tule negro.

Encanto de Sereias


Há quatro anos, eu estava meio entediado das idas e vindas com as quais eu vivia. Foi quando você apareceu. Por hora, esse nariz empinado me fez repensar algumas coisas, ao menos um desejo ali se fincou, como um recado no mural de cortiça. Mas as idas e vindas me tomaram pelos braços e fui. Deixei o rosto angelical em um canto da mente e fui pensar em francês, espanhol e inglês.
E, assim, meio de repente, quatro anos depois, você surgiu. Era um novo recomeço, em português. Reli, ‘Acalentador’, era você. Acho que era bem o que eu precisava; alguém que acalentasse um coração quebrado; já expliquei isso antes para outra pessoa que não entendeu bem.
...
Não me contive, chamei. Veio parcial, cheio de dedos. Tímido. Encanto de sereias que gritam meu nome pelo mar.
Fui ao centro. Não do universo, mas do país. Voltei?
Algo ficou lá, um gosto amargo na boca. Mas a precisão de um ‘acalentador’, desses que te abraçam nas noites de frio e te assopram nas noites de verão, eu precisava.
...
A redundância dos termos, ‘precisão’ vs. ‘precisava’, os verbos e seus significados que brincam em concursos fizeram o encantamento aumentar.
Fobias surgiram, e logo assim! Sem meios termos. A timidez vinha sob um novo véu. Sorri!
Preciso aprender a viver com o novo sigma. TOCs, fobias, medos. Justo a mim?
Eu, tão preso a medos, tão sem graça em público, tão ranzinza com a toalha do banheiro embolada? Você me supera?
Sorri!
E veio o convite para nos vermos. Vimo-nos! A camisa xadrez contrastava com o cardigan de três euros da Primark. O suco de laranja brigou com a cerveja Original sobre a mesa. Mas os sorrisos se viram.
Os cigarros ficaram em casa. Assim como o desejo de não precisa-los. As balas foram no bolso.
Sem armas!
Sem armas!
Sim, fui despido de armadilhas. Era apenas eu, sorrindo. As pedras de Itaguaçu, iluminadas pelas luzes dos bares foram testemunhas. Eu vestia o cardigan, mas estava nu.
Porém, ninguém acredita muito. Os aromas e trejeitos me fazem parecer mais esquina do que sou. Modelo e manequim. Puta para maus entendedores e entendedoras.
O beijo roubado no fim da noite me fez sentir um ladrão. Roubar beijos aos 33 anos é tão estranho. Mas, sorri!
Subi sorrindo. E vieram mensagens. E vieram ligações.
E veio um novo encontro. E um convite para subir. Subir? Como se eu morasse no 13º andar. Mas subiu. E valeu a pena cada segundo no sofá.
Os beijos roubados eram a cada dia mais encantadores.  As sereias e bruxas, as pedras que nos viram quando nos vimos, me faziam pensar no rosto juvenil.
Uma pinta à direita, outra à esquerda. Algumas rugas, posso ver.
O endócrino disse a mesma coisa que eu.
Impulso! 
Mielina, axônios, língua, cordas vocais, partes de um mesmo órgão em mim. Cérebro e boca em uníssono.  
E vieram outros encontros e as diferenças se reforçaram, mas ao mesmo tempo a vontade de te ver aumentou.
- Quem é louco? Eu ou você?
Você ainda não me viu chorar, mas eu choro.
Você ainda não me ouviu cantar, mas eu canto.
Você ainda não me falou de si, mas eu ouço.
Eu quero te rever!
Eu quero ser mais!
Eu quero você!
Você!
...
Tire as suas rédeas e você verá que aqui tem alguém que pode galopar ao seu lado!!!
Eu já sei que você é como um ano bissexto. Mas eu, ah...
Eu sou encanto de sereias que gritam teu nome pelo mar.

Frio de junho


O frio batia nos vidros pedindo para entrar. O que podíamos fazer?
O frio entra. Se vai bater, ou não, pouca diferença faz.
E assim que entrou, instalou-se pelo quarto. Era junho, não podíamos evitar.
O que podíamos ter feito?
Bem, a história começa com 3 tragos em um baseado depois de muitos drinks.
O que veio a seguir foi um misto desconexo de diálogos que nos embrulharam no edredom.
Deitados na cama, ele me perguntou se eu estava colocando-o no lugar de alguém. Eu sorri.
-Claro que estou! O tempo todo estou colocando alguém no lugar de outro alguém.
-Eu não quero estar no lugar de alguém. Quero meu lugar exclusivo.
Era ciumento e temperamental.
Sentei-me e ele deitou-se em meu colo, os dois com frio apertando-se um contra o outro.
-Mas eu sou assim. Eu entrego meu coração para alguém. Aí, um dia a pessoa o quebra, eu junto algumas partes e faço um novo. E deixo o espaço vago para alguém entrar.
Ele passou um braço por cima da minha barriga e outro por baixo das minhas pernas.
-Não faça isso! Guarde seu coração para você!
Comecei a chorar. Ele não entendia o que estava me pedindo.
-Não faz parte da minha natureza. Eu sou assim, um feitor de corações. Entrego; junto os pedaços; faço outro, entrego; e assim vou vivendo. Sempre com novas ilusões, novos corações.
Passou a mão pela minha barriga.
-O que você espera que as pessoas façam quando você chora?
Passei a mão por seus cabelos recém-cortados.
-Abrace-me, acaricie-me. Beije-me. Peça para eu parar de chorar...
-Não vou fazer nada disso!
Apertou minhas coxas.
-Por que não?
-Porque não sou assim.
-Devo seguir chorando?
-Faça o que você quiser.
Pensei que o frio vinha da própria cama. Ou seria o frio falando comigo?
-Pena, achei que você seria alguém para quem eu daria meu coração.
-Já disse, guarde seu coração para você.
Desci para dentro do edredom. Ele me abraçou com força.
-Você guarda o seu tão bem porque tem medo!
-Não tenho medo de nada!
-Tem sim! Covardes guardam seus corações. Têm medo de que descubram suas fraquezas.
-Eu não tenho fraquezas.
Apertou meu mamilo esquerdo.
-Tem sim, você é humano.
-Você está me colocando no mesmo saco que todos os outros.
Sorri.
-Você está no mesmo saco que os outros. Somos todos iguais. Todos querem ser amados. Achar a pessoa certa. Ter um cumplice.
-Eu saí de casa aos 16. Sou muito independente.
Virou-se.
-Abrace-me. Tenho frio.
-Mas, você é independente. Para que precisa que eu te abrace?
Virou o rosto. Aqueles olhos, quase verdes, ficaram imóveis, fixos nos meus. Vi brasas saírem de dentro.
-Eu sou independente.
Abracei-o. Passei a mão direita sobre o contorno de seu corpo de dança.
-Você não é independente, nem esconde seu coração tão fundo assim.
-Eu não quero ocupar o lugar de outro. Quero o meu!
Ele não percebia que o lugar já era dele. Nem notou que seu coração estava muito mais exposto do que pensava.
Quanto ao meu coração?
Bem, meu coração ardeu nas brasas daquele olhar.
O senti como um vaso de barro no forno, mudando a forma, expandindo, contraindo.
E naquelas pupilas, negras bailarinas imóveis, vi seu coração. Pulsando, expandindo, contraindo. Quase em minhas mãos.
O frio entrou, mas o calor dos beijos o mandou embora.
Era junho, o que podíamos ter feito?