Explicações!

Andei um bom tempo egoista. Escrevi só pra mim e só eu saboreei meus textos. E quando menos esparava e vindo de onde eu menos esperava, me cobraram explicações: "Tu abandonou o blog?"
Não, mas achei que ninguém mais lia.
Agora que sei que alguém lê, volto a publicar minhas confusões mentais.
Aproveitem (ou não).
Sal.

Eu sou





Eu sou a puta que todos sonham em ser, mas o pai nunca deixou.
Sou o anjo que ninguém nunca beijou.
Sou a faca que corta a carne e faz sangrar.

Eu sou o filho que todos querem ter, mas abortaram.
Sou a porra que foi para o ralo.
Sou a faca que corta a carne e faz sangrar.

Eu sou a dor que todos querem ser, mas o remédio evitou.
Sou a febre, a coceira, o ardor.
Sou a faca que corta a carne e faz sangrar.

Eu sou a alma que todos tentam tocar, mas não enxergaram.
Sou os óculos 3D para amar.
Sou a faca que corta a carne e faz sangrar.

Eu sou o deus da guerra, mas sem armas.
Sou paz, a inércia, sou calma.
Sou a faca que corta a carne e faz sangrar.

Eu sou o sangue que escorreu, mas ninguém quer limpar.
Sou o pano, alvejante e o lavar.

Sou a faca, a carne e o sangrar.

Digressões

Estranhamentos e enfrentamentos.
Enfrentar o estranho que se posta no espelho toda vez que passo por ele é tarefa árdua. Pior é enfrentar o estranho que habita em algum canto do coração!
Estranhos somos nós! Tanto eu quanto ele!
O único comum nessa estória é o próprio coração, personagem carcomido pelo tempo como páginas amarelas de uma lista telefônica!
...
Assim, ando me impondo restrições sobre a virtualidade! Tentando me desconectar dessa realidade que parece superficializar as relações. E sabe o que é mais divertido nisso tudo: notar que quase não há relação interpessoal além disso!
Inclusive aquelxs que me puxam a orelha quando transformo minha vida em um espaço de leitura aberto não se preocupam em estreitar comigo um outro tipo de diálogo!
E o que se impõe é uma estranha sensação de solidão que tento superar com o café, cigarro e leitura!
Pois é, começo a acreditar que a internet é uma adaga sem cabo, ao segurá-la é inevitável não se cortar ao desferir golpes em sentimentos invisíveis! Uma adaga que todxs seguramos com força, aquelxs que usam ou negam, todxs!
Até porque a superficialidade está com a mesa posta, sentadinha, esperando por nós, cheia de dentes afiados. E não se engane, nós somos o prato principal!
Sendo assim, lá vou eu ser devorado pelos convidados da ceia: superficialidade, solidão e individualismo!
De nada vai adiantar espernear, a adaga já cortou a carne e os convidados já salivam!
Nós mesmos nos servimos como prato dessa refeição suculenta que chamamos de vida!
Boa digestão!
...
Se comparamos o romance impresso
e a internet, vemos que o romance não tinha a pretensão de ser interativo! Ainda não tem, creio eu. A interatividade virtual da internet (como meio de comunicação) esconde os convidados da ceia, os quais citei. Estão todos ali, mas parece que somos nós (cada um/uma, rodeadxs de outros nós; entendidos aqui pela dupla significação do termo: ora plural, ora fios enredados) sentadxs à mesa. E, com esse ar de coletivo, não passamos de individuais, sentadxs ridiculamente sozinhxs, servindo vinhos e caviares, espumantes e peixes ao molho de manga. Servimos praias, rios e florestas. Servimos lindas imagens nossas e lindas frases a convidadxs que não passam de merxs observadorxs. Alguns/algumas, rarxs, servem lágrimas ou sangue. Outrxs, ainda mais rarxs, servem orgasmos. Mas minha percepção hoje está alterada, porque não vejo mais convidadxs à mesa, apenas observadorxs desatentxs que nem notam que retirei suas taças e pratos. Seguem sentadxs por pura inércia. Sorrindo e achando que estão sendo servidxs. E, então, sorrio eu, oferecendo o nada! Xs poucxs que notarem que retirei garfos, facas e comida, logo saem da mesa. Afinal, qual o interesse em uma vida repleta de nada?

Garagem de sonhos


Odeio acordar assim, assim: vazio e completo.
Levanto-me, arrasto-me até um espelho e olho no fundo dos olhos em reflexo.
Dias em que lembranças me enchem, que o coração transborda, que a mente voa.
Sinto-me só, sinto amores que rondam, sinto amores que somem.
Sinto muito!
Parece não haver espaço para dentes, e o sorriso fica recolhido em uma garagem de sonhos estacionados e empoeirados.
Amo acordar assim, assim: completo e vazio.
Distâncias se somam e dão voltas pelo planeta. Pessoas que quero aqui, pessoas daqui que me têm longe.
Um passageiro que se olha pela janela, misturado à paisagem que o vidro separa.
Tão mesmo, tão distinto.
Sem saber se choro ou entro no banho, sem saber se amo ou se me amam, sem saber se quero ou sou querido, sem saber conjugar o verbo querer.
E querendo!
Vendo rostos que se misturam e entram por meus olhos.
São rostos tão diferentes, com sorrisos e gemidos, com olhos que se contraem enquanto me seguram pelos cabelos, com mordidas entre lábios.
São plurais e singulares.
E são muitos.
Sinto-me só, sinto amores que rondam, sinto amores que somem.
Sinto muito!
:')

Entendimentos


Se eu pudesse entender,
Juro que me sentaria bem pertinho do fogo
E jogaria nele as dúvidas, uma a uma.

Começaria entendo porque você chegou,
Já que poderia ter ido a outro lugar.
Seguiria entendendo porque ficou,
Pelo mesmo motivo anterior.
E terminaria entendendo porque se foi.

Esse, de todos os momentos, foi o que menos entendi.

Bateu uma porta, cuspiu uma lágrima, bradou um ‘eu te amo’...
E se foi!

Deixou-me em pedaços sombrios.
Desconexas partes, que ainda hoje não se imbricam.
Se eu entendesse...

Eu poderia te entender!

Eu vivo de amores!!!





Eu vivo de amores!!! 
...
Amores que duram uma noite, amores que duram semanas, amores que duram 2 meses, 6 anos. 
Amores que viram amigos, amores que viram desafetos.
Amores que me odeiam, amores que ainda me amam. 
São difíceis, amores que doem, que dão saudade.
Começo a guardar um cemitério de amores na memória, desses cemitérios militares que vi na Normandia francesa, com cruzes brancas em um campo verde, cada cruz com um nome.
Em dias de chuva, enquanto suspiro pelo último amor a doer, é inevitável não dar uma volta pelo cemitério. Sem flores nas mãos, apenas uma camiseta branca, um jeans velho, meu AllStar vermelho sujo nos pés, meu fone de ouvido, uma música antiga, tipo "Espelhos d'água", da Patricia Marx, que eu cantava quando tive meu primeiro amor.
Vou passando por cada cruz, olhando cada nome, sorrindo. Aquele sorriso doído que vem com as lembranças de beijos honestos, carinhos sinceros.
Aquele sorriso de canto, que dei para todos esses amores, quando ninguém mais podia ver. 
A saudade, esse demônio cristão que aperta o peito, começa a sufocar. Outra cruz, outro amor, outro adeus. 
Eu poderia passar em frente a esse cemitério sem nunca entrar, mas reviver amores é reviver na memória cada "Eu te amo" ouvido ou desejado, dito ou calado.
Depois de algum tempo, saio desse lugar, enxugo as lágrimas que vieram, as loucas suicidas que se jogam dos nossos olhos contra o que encontrarem.
Fecho o velho portão de metal, cheio de musgo, viro-me para a grande avenida que se chama "Futuro", suspiro e sigo caminhando, quem sabe ali na próxima esquina esteja um novo amor, um novo "Eu te amo" a se ganhar.
Talvez seja um novo rosto, talvez seja um antigo, afinal, naquele cemitério não há ninguém enterrado. Há lembranças!
Mas hoje, exatamente hoje, tem um rosto que gostaria de ver. 
Mas essa esquina está longe e esse nome ainda não está naquele cemitério!

Quem é você???


Quem é você?
Não tive tempo para descobrir. Aliás, foi apenas isso que faltou.
Hum, sim! Não foi só isso. Mas foi o que mais faltou.
Não tive tempo para descortinar seu sorriso, para analisar seus grandes olhos. Para reconhecer se atrás desse silêncio havia dúvida, medo, vergonha, tristeza.
Você cortou meus pulsos e exigiu minhas pernas.
Você não gosta de ler, diferente de tantos outros, você não gosta de ler.
Mas eu escrevo!
Você percebe o quão isso complica tudo?
Sem ler, como ver que eu sou um prolongamento dos meus dedos?
Sem ler, como ver que eu tenho mais do que um pênis?
Você cobrou beijos, afeto e chorou.
Você, sem notar, cobrou minha presença, mas ofereceu um cachorro de gravata como companhia.
Justo para mim, que esperava mais palavras.
Você, sem notar, cobrou fidelidade. E te dei!
Ainda que eu negue, ainda que eu finja.
Você teve um corpo completo: alma, coração, sangue e porra.
Você teve meu tempo, meu dinheiro, minhas esperanças.
Quem é você?
O que você ofereceu em troca?
Uma leitura de um dos livros de contos que te emprestei? Um não para um chefe explorador?
Sua beleza ainda não cabe em você. E como você é lindo!!!
Mas como todo jovem, você não nota que sua beleza vai se acabar nos braços errados.
Sejam eles amores, sejam eles braços exploradores, sejam eles fraternais ou familiares.
E sua essência é o que? Quem é você???
Eu poderia te renomear com qualquer letra do alfabeto. Já foram tantos como você.
Confesso que a maioria por uma noite, mas ainda assim, como você fará, perdiam sua beleza sem dizer muito. Como uma flor, que mesmo sem se abrir, vai perdendo seu perfume sem mostrar toda sua forma.
Quem é você???
Quem é você, para quem dei um aliança e selei um acordo?
Quem é você que me abriu a porta da sua casa, mas não me abriu a porta de sua vida?
Agora, me responda quem sou eu?
O que escondi? O que você não soube?
Eu não disse ou você não perguntou?
E se me afastei, você agradeceu aos céus. Eu estava pedindo mais tempo do que devia.
Mas nosso jardim, que é só teu, vai seguir como minha proposta de tentar.
Ali, naquele canto, entre árvores e gramas plantadas, nada a esmo, onde o único acaso era eu, mas poderia ter sido um outro que tivesse condições de olhar estrelas e ver a beleza de estar com você sob elas, ali seguirei.
Se você notar, não disse seu nome, porque isso é uma crônica, um texto, algo que você nunca vai ler. Mas outras pessoas lerão, entre outras das palavras que já vomitei e que algum olho curioso já limpou.
Você ainda não percebeu, aprendemos muito no dia a dia, mas não há magia melhor do que espaços que sabemos que nunca serão nossos, e eles só vêm com palavras.
Como saber que Quintana dizia que a cada novo dia deveríamos fazer um novo trajeto, se nunca lemos Quintana?
Como saber que eu segui esse conselho poético e fui parar na sua frente, sem saber que foi Mário Quintada que me aconselhou?
Por preguiça? Uma preguiça que não te demove de acordar as 04:30h da manhã?
Uma preguiça que não te impede de não ter sábados e domingos?
O capital te criou e te corrompeu, não duvido de que eu te encontre em um semáforo, que cruzarei sorridente a pé, enquanto você espera abrir no seu carrão. Mas que decepção se for o contrário. Se for eu que me corrompi, e tive todas as oportunidades para isso, e você segue trabalhando sábados e domingos. Quão revoltante pode ser?
Quão injusta você dirá ser sua vida?
Oh, meu amor, como te arranco desse vício ignóbil que não te permite entender palavras desse porte?
Como te explico que teu chefe não se importa com sua saúde, com sua vontade, com seus pais?
Como eu te explico que existirão outros como você, que ocuparão seu lugar e farão seu trabalho?
Como eu te explico que você está perdendo uma chance de viver comigo um amor torto, desses que doem ao lembrar?
Bom, não explico. Inclusive porque me pergunto: quem é você?
Será que viveria esse amor torto comigo, entenderia as dores que sentiria?
São tantas dúvidas que me percebo de aliança fora do dedo, na caixa das possibilidades, todas se olhando e dizendo: - Você também não foi a última???